Mudanças Climáticas afetarão a pesca no estuário da Lagoa dos Patos (RS)

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29 de março de 2022

Molhes da Barra do Rio Grande. Município de Rio Grande-RS. Data: 15 de janeiro de 2020 – Fotografia: L32 Filmes

Pescadores que trabalham na região onde o projeto de pesquisa de longa duração Estuário da Lagoa dos Patos e Costa Adjacente (PELD ELPA), no Rio Grande do Sul, verão a produção da pesca alterar com o aumento do aquecimento global. As pesquisas mostram que as alterações no clima provocarão mudanças na água, nos alimentos e na reprodução dos pescados. Os efeitos das mudanças climáticas afetam a biologia das espécies pesqueiras no ELPA e, consequentemente, toda a cadeia produtiva da pesca, atividade que emprega cerca de 52,5 mil pessoas direta e indiretamente neste setor produtivo.

No primeiro semestre de 2013, a pesca artesanal no estuário da Lagoa dos Patos teve registrada uma produção total de aproximadamente 1.163 toneladas, o que corresponde a 14% do total registrado no período para pesca artesanal  e industrial. Esta informação é do relatório técnico oficial comunicado ao antigo Ministério da Pesca e Aquicultura, realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). 

Relatório Técnico do Gerenciamento Costeiro,  (Tatiana Walter et al. 2014:3), em 2010, a produção de pescado oriundo da pesca extrativa no Rio Grande do Sul foi de 31.218,9 toneladas, ou seja, 36,2% da produção total de pescado no país (MPA, 2012). São 17.319 pescadores e pescadoras artesanais cadastrados (as) no Registro Geral de Pesca em2011, sendo 6.810 (39,3%) da área de estudo (Lagoa dos Patos).

Os impactos que atingirão os rios, os estuários e a vida aquática certamente serão refletidos na atividade pesqueira na qual essa população trabalha e na produção de alimentos para as pessoas.

Entenda os efeitos

O ELPA faz parte do Sistema Costeiro Marinho e a parte terrestre está inserida no Bioma Pampa. Uma parte da grande bacia de drenagem do ELPA nasce no Bioma Mata Atlântica. 

A previsão sobre os impactos das mudanças climáticas para a região sul do país são de aumento da temperatura e precipitação (chuvas). As águas doces correrão para os rios até o estuário e provocará a redução da salinidade média do estuário, com aumento da turbidez e nível da água.

Dependendo da escala destas mudanças, tais alterações possuem efeitos negativos que já foram observados. As pradarias submersas, locais onde os peixes, crustáceos e moluscos encontram alimento, diminuirão e as macroalgas, responsáveis pela “maré verde”, aumentarão.

“Tais alterações repercutem negativamente na abundância de algumas espécies de invertebrados e peixes que utilizam estes habitats vegetados como proteção e alimento, incluindo espécies pesqueiras de importância econômica local como a corvina, a tainha e o camarão-rosa”, informam os cientistas do PELD ELPA.

“Nossos estudos também demonstraram que em salinidades menores, a condição fisiológica de larvas de peixes piora, o que pode comprometer o recrutamento de espécies de interesse comercial”.

Por outro lado, o aumento das chuvas e descarga fluvial pode acarretar um aumento na riqueza de espécies de peixes que poderão ser “arrastadas” ao estuário pelas correntezas dos rios quando enchem por causa dos temporais. Espécies diferentes das atuais poderão se estabelecer no estuário. 

Camarão rosa (Farfantepenaeus paulensis) Foto: Margareth Copertino

Características da pesca artesanal  no estuário da Lagoa dos Patos

Um dos principais objetivos e desafios científicos do PELD ELPA/RS é discernir e quantificar os efeitos de mudanças climáticas naturais e impactos de atividades humanas decorrentes do aquecimento global, que muitas vezes interagem entre si e produzem efeitos sinérgicos.

Para avaliar adequadamente os efeitos das mudanças do clima nos ecossistemas é necessário que séries temporais de dados observacionais sejam longas o suficiente para capturar estes efeitos. Neste sentido, o apoio ao PELD em escalas mais longas é fundamental.

No intuito de avançar na compreensão desses impactos na biota estuarina, a proposta atual do PELD-ELPA pretende ir além de atributos e medidas convencionais (como abundância e diversidade) e começar a focar suas pesquisas nas respostas funcionais das populações e comunidades e sua resiliência às perturbações naturais e antrópicas. 

Essa abordagem mais integradora e funcional tem maior potencial de gerar subsídios científicos mais precisos, que possam orientar ações mitigadoras mais efetivas frente ao aumento na intensidade e frequência de eventos climáticos extremos previstos para o atual cenário de aquecimento global.

Pesquisadores do PELD ELPA realizam estudos e projetos de pesquisa e extensão nas linhas de socioeconomia pesqueira, economia do bem-estar social, consequências sociais da perda de biodiversidade e políticas públicas, juntamente com pesquisadores de outras instituições brasileiras e estrangeiras, integrando diferentes Institutos da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

Os resultados contribuem para o conhecimento científico nas áreas envolvidas, dando ao mesmo tempo suporte a tomadores de decisões para a formulação de políticas públicas, para a gestão pesqueira e para o uso sustentável dos recursos estuarinos e marinhos, considerando ainda as ameaças advindas de eventos naturais e antrópicos.

Fábrica de peixe-Rio Grande (Foto: Lab.Laboratório de Recursos Pesqueiros Demersais e Cefalópodes)

Mesmo que o ambiente se recupere entre uma perturbação e outra, as populações humanas necessitam de um tempo de recuperação muito longo que é, quase sempre, interrompido por sequências de eventos extremos e distúrbios climáticos, cada vez mais frequentes na região do Sul do Brasil. 

Este fato impulsiona níveis cada vez mais baixos nas condições sociais das populações ao longo dos anos. Políticas públicas de renda e direcionadas à categoria são acionadas (Renda Família, Seguro Defeso, entre outras), muitas vezes de forma ineficaz, tanto pela forma da gestão e/ou por não constituir mecanismo efetivo de ação.

O conhecimento científico gerado no âmbito do programa PELD ELPA tem contribuído na elaboração de políticas públicas. Essas políticas públicas resultam de longos esforços e debates entre cientistas e os demais setores da sociedade e, uma vez estabelecidas, fornecem diretrizes objetivas para a proteção e uso sustentável dos recursos naturais, bem como uma base legal para reivindicar ações do poder público. 

O PELD ELPA têm disseminado o conhecimento científico gerado ao longo do projeto junto a alunos e educadores, organizações não governamentais e gestores ambientais, formuladores de políticas públicas, através de oficinas de educação ambiental, exposições em feiras e eventos e uma forte presença nas mídias sociais.

Mais sobre o PELD ELPA:

O PELD ELPA monitora os parâmetros biológicos e físico-químicos da água desde 1999, com frequências diária, mensal e sazonal; além de estudos e experimentos de curto prazo no campo. Os resultados apontam variabilidades de curto e longo prazo na hidrodinâmica estuarina e na ecologia das populações e comunidades. As variabilidades de longo prazo são regidas principalmente por teleconexões remotas devido ao modo El Nino Oscilação Sul (ENOS). Entretanto, as tendências de longo prazo, como reduções na distribuição de espécies fundadoras (e.g. Ruppia maritima), espécies-chave ou estuarina-residentes (e.g. espécie de peixes) não podem ser explicadas somente pelos padrões sazonais ou variabilidade natural do ENOS.

Artigos Científicos

Belarmino, E., de Nóbrega, M. F., Grimm, A. M., Copertino, M.S., Vieira, J. P., Garcia, A. M., 2021. Long-term trends in the abundance of an estuarine fish and relationships with El Niño climatic impacts and seagrass meadows reduction.  Estuar. Coast. Shelf Sci. 261, 107565. https://doi.org/10.1016/j.ecss.2021.107565

Bitencourt, L.P., Fernandes, E., Möller, O., Ross, L., 2020. The contribution of ENSO cycles to the salinity spatio-temporal variability in a bar-built microtidal estuary. Reg. Stud. Mar. Sci. 40, 101496. https://doi.org/10.1016/j.rsma.2020.101496

Lanari, M., Possamai, B., da Silva Copertino, M., Miranda Garcia, A., 2021. Seasonal and El Niño Southern Oscillation-driven variations in isotopic and elemental patterns among estuarine primary producers: implications for ecological studies. Hydrobiologia 848, 593–611. https://doi.org/10.1007/s10750-020-04462-0

Misturini, D. & Colling, L. A. 2021. Can short-term meteorological events alter subtropical estuarine macrobenthic assemblages in seagrass meadows (Patos Lagoon Estuary – Southern Brazil)? Estuar. Coast. Shelf Sci. 261, 107532. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0272771421003826

Possamai, B., Vieira, J.P., Grimm, A.M., Garcia, A.M., 2018. Temporal variability (1997-2015) of trophic fish guilds and its relationships with El Niño events in a subtropical estuary. Estuar. Coast. Shelf Sci. 202, 145–154. https://doi.org/10.1016/j.ecss.2017.12.019

Reis-Santos, P., Condini, M. V., Albuquerque, C.Q., Saint’Pierre, T.D., Garcia, A.M., Gillanders, B.M., Tanner, S.E. 2021. El Niño – Southern Oscillation drives variations in growth and otolith chemistry in a top predatory fish. Ecol. Indic. 121, 106989. https://doi.org/10.1016/j.ecolind.2020.106989

Salvador, N. L. A.; Muelbert, José H. 2019.Environmental Variability and Body Condition of Argentine Menhaden Larvae, Brevoortia pectinata (Jenyns, 1842), in Estuarine and Coastal Waters. Estuaries and Coasts, v. 42, p. 1654-1661. http://dx.doi.org/10.1007/s12237-019-00604-3

Eventos científicos

Copertino, Ms; Colling, L. A.; Seeliger, Ulrich; Bemvenutti, C. E.; Cunha, R. W. 2018. Long-term changes in submerged aquatic vegetation of Patos Lagoon estuary Brazil: climate and hydrology In: IV Workshop Brasileiro de Mudanças Climáticas em Zonas Costeiras. Florianópolis. Resumos do IV Workshop Brasileiro de Mudanças Climáticas em Zonas Costeiras.

Copertino, Ms; Creed, J.; Lanari, Marianna De Oliveira; Karine Mgalhães; Barros, K. V. S.; Arevalo, P. R.; Horta, P. A. 2018. Rede de Monitoramento dos Habitats Bentonicos Costeiros – Fundos Vegetados Submersos da ReBentos: protoloco mínino de monitoramento In: IV Workshop Brasileiro de Mudanças Climáticas em Zonas Costeiras, 2018, Florianópolis. Resumos do IV Workshop Brasileiro de Mudanças Climáticas em Zonas Costeiras. Florianópolis.

Grando, C.; Lanari, M. O.; Copertino, M. S. 2018. Monitoramento de longo prazo das pradarias de fanerógamas marinhas no estuário da Lagoa dos Patos, RS, Brasil (ReBentos – Fundos Vegetados Submersos In: IV Workshop Brasileiro de Mudanças Climáticas em Zonas Costeiras, Florianópolis. Resumos do IV Workshop Brasileiro de Mudanças Climáticas em Zonas Costeiras. Rio Grande: FURG.

Lanari, M, Copertino, M.S. 2018. Drift macroalgae in the Patos Lagoon Estuary (southern Brazil): effects of climate, hydrology and wind action on the onset and magnitude of blooms. In: IV Workshop Brasileiro de Mudanças Climáticas em Zonas Costeiras, 2018, Florianópolis. Caderno de Resumos do IV Workshop Brasileiro de Mudanças Climáticas em Zonas Costeiras, Florianópolis.

Muelbert, J.H.; Odebrecht, C. ; Copertino, M. ; Muxagata, E. ; Colling, A. L. ; Vieira, J. P. ; Secchi, E. R. 2018,. Long-term changes in diversity in a subtropical estuary in southern Brazil.. In: 4th World Conference on Marine Biodiversity, 2018, Montreal. 4th World Conference on Marine Biodiversity – a PeerJ Collection v. 6. p. 1-1.

Odebrecht, C. ; Muelbert, J.H. ; Abreu, P. C. ; Colling, A. L. ; Copertino, M. ; Fernandes, E. H. L. ; Garcia, C. A. E. ; Moller JR., O. O. ; Muxagata, E. ; Secchi, E. R. ; Vieira, J. P. 2018. Brazilian LTER: Lessons learned from long term studies in the Patos Lagoon Estuary and Adjacent Coast. In: IV Workshop Brasileiro de Mudanças Climáticas em Zona Costeiras: Monitoramentoe Modelagem, 2018, Florianopolis. Caderno de Resumo – IV Workshop Brasileiro de Mudanças Climáticas em Zona Costeiras: Monitoramento    e Modelagem,. v. 1. p. 1-1.

Popularização da Ciência

Copertino, M. & Rodrigues, R. R. 2021. Efeito Dominó Marinho. Revista Ciência Hoje, Coluna Cultura Oceânica. Edição 377. Disponível em: https://cienciahoje.org.br/artigo/efeito-domino-marinho/

Possamai, B.; Garcia, A. M. 2018. Efeitos do El Niño sobre a ecologia trófica dos peixes no estuário da Lagoa dos Patos. Tema: Ecologia Marinha. (Rede social)

Possamai, B.; Garcia, A. M. 2018. El Niño e mudanças na estrutura trófica de uma comunidade de peixes estuarinos. Tema: Ecologia Marinha. (Rede social).

Turra, A.; Copertino. M.; Goncalves, L. 2019. Chorar sobre o óleo derramado não reduz os danos à zona costeira. Estadão. São Paulo, p.1 – 1, 2019.

Fotos: André Colling, , Manuel M de Souza, Marianna Lanari, Clarisse Odebrecht, Renato Nagata, Juliana dal Pizzol e L32 Filmes

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Texto: Márcia Dementshuk com Margareth Copertino (PELD ELPA)
Fotos: Margaeth Copertino, Laboratório Ecomega IO/FURG & Projeto Botos da Lagoa dos Patos e Laboratório de Recursos Pesqueiros Demersais e Cefalópodes
Com informações de: Margareth Copertino (PELD ELPA)
Fontes de apoio: Instituto de Oceanografia (IO/ FURG) e Instituto de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis (ICEAC/ FURG).
Coordenação Peldcom: Alessandra Brandão

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