Em março de 1997, Dolly – o primeiro clone de um mamífero adulto – havia se tornado a ovelha mais popular do mundo; a sonda Mars Pathfinder estava a caminho de Marte; e o celular passou a servir também como game (lembra da cobrinha perseguindo o rato na tela nos modelos Nokia?). Completando esse cenário de avanços científicos e tecnológicos de 25 anos atrás, um workshop realizado em Tamandaré, Litoral Sul de Pernambuco, deu início às ações de conservação dos recifes de coral no Brasil. O País é o único do Atlântico Sul a contar com esse ecossistema de beleza cênica ímpar, que ocupa menos de 1% do fundo dos oceanos, mas oferece abrigo para mais de 25% das espécies marinhas.
O “Workshop sobre os Recifes de Coral Brasileiros: Pesquisa, Manejo Integrado e Conservação” durou uma semana e reuniu estudiosos, técnicos e gestores da área ambiental, do Brasil e de outros lugares do mundo. Seis meses depois, o resultado desse esforço coletivo estava impresso no Diário Oficial da União: o decreto de criação da maior unidade de conservação costeiro-marinha federal, a APA Costa dos Corais, assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Começava ali uma série de ações em prol dos recifes de coral, garantindo a manutenção dos seus serviços ecossistêmicos como proteção da linha de praia, reposição dos estoques pesqueiros e regulação do clima na Terra por meio da absorção do carbono atmosférico.
O “Workshop sobre os Recifes de Coral Brasileiros", evento que representou o marco inicial da conservação dos ambientes coralíneos em 1997, teve como pano de fundo a celebração do Ano Internacional dos Recifes de Coral.
Tamandare, PE. Foto: Thiago Buchianeri
O Workshop foi realizado no Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene). Vinculado na época ao IBAMA e atualmente no ICMBio, o CEPENE em parceria com a UFPE até hoje é um dos protagonistas de ações em prol dos recifes de corais.
Os resultados do workshop serviram como subsídio para a formulação de políticas e estabelecimento de prioridades nas áreas de pesquisa aplicada, manejo e conservação dos recifes brasileiros, e representou o pontapé inicial no processo de ordenamento para o uso sustentável e conservação dos recifes de coral brasileiros.
O que as pessoas presentes nesse evento histórico realizado de 9 a 15 de março de 1997 debateram está contido num relatório de quase 100 páginas até hoje tido como referência na área. O documento faz um alerta ainda atual sobre as ameaçadas dos recifes de coral: “Vários fatores são responsáveis pela degradação desses ambientes, como por exemplo a remoção direta de corais, a sobrepesca, as atividades turísticas desordenadas, a sedimentação causada pela erosão do solo desmatado para agricultura e construção civil, a poluição doméstica e química etc. Esse processo de degradação está comprometendo a capacidade produtiva e a biodiversidade desses ecossistemas, e consequentemente a garantia da seguridade alimentar e o bem-estar social das populações que convivem ou dependem dos recifes.”
Veja a seguir destaques do que aconteceu nesse um quarto de século de história da conservação dos recifes de coral brasileiros:
No dia 24 de outubro de 1997, o Diário Oficial da União publicou o decreto de criação da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, maior unidade de conservação federal marinha costeira do Brasil, com 400 mil ha distribuídos ao longo de 120 km de praia, entre Tamandaré (PE) e Maceió (AL). Em direção ao oceano, seu limite é a quebra de plataforma continental, conhecida pelos pescadores como “parede”, distante cerca de 30 km da praia. A APA Costa dos Corais abrange o manguezal e abriga espécies ameaçadas como o peixe-boi e o mero.
Um marco da legislação ambiental do País, a Lei de Crimes Ambientais, de 1998, contemplou os bancos de corais, graças aos dados gerados pela comunidade técnica e científica no workshop de 1997. O artigo 33 da Lei Nº 9.605 prevê Pena detenção de um a três anos e/ou multa para quem “explora campos naturais de invertebrados aquáticos e algas, sem licença, permissão ou autorização da autoridade competente” e quem “fundeia embarcações ou lança detritos de qualquer natureza sobre bancos de moluscos ou corais, devidamente demarcados em carta náutica”. Em 29/12/1999, o decreto estadual Nº 21.972 proibiu, entre outras atividades, a extração de corais no Litoral Sul de Pernambuco. Em 7/2/2002, o decreto estadual Nº 24.017, estendeu a norma para o Litoral Norte.
Uma Área de Recuperação Recifal foi estabelecida por meio de portaria do Ibama publicada em 12 de fevereiro de 1999 no Diário Oficial da União. Trata-se de uma zona de exclusão de turismo e pesca que funciona como um refúgio da vida marinha, permitindo que espécies – inclusive as de importância pesqueira – se desenvolvam sem a interferência humana.
A zona de preservação da vida marinha (ZPVM), ou no-take zone, de Tamandaré tem 259 hectares e está inserida na APA Federal Costa dos Corais. Tem importância para a conservação da biodiversidade, para a ciência e para a manutenção da pesca artesanal (uma das principais fontes de renda da população local). Proporciona ainda a realização de estudos comparativos entre locais com e sem proteção, constituindo-se assim num laboratório a céu aberto. Em 11/7/2000, a partir de convênio com a Marinha, foi criada a Guarda Marítima de Tamandaré. A corporação é uma das primeiras do Brasil instituída em nível municipal.
O Instituto Recifes Costeiros, instituído em 1/10/2001, funciona como uma incubadora de projetos de conservação recifal. Entre as iniciativas que tiveram origem no Ircos estão o Projeto Coral Vivo e o Reef Check Brasil. De forma pioneira no País, em 27/12/2002, o Código de Postura de Tamandaré adotou a lista de espécies ameaçadas de extinção da IUCN, a União Internacional para Conservação da Natureza.
O “Atlas dos Recifes de Coral nas Unidades de Conservação Brasileiras” foi a primeira publicação com mapas do ambiente recifal brasileiro. Lançado em 2003, contou com a colaboração de 11 autores e apresenta um total de 39 mapas das 9 unidades envolvidas no projeto ao longo de três anos de trabalho. Em 2006, com a realização no Brasil da 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, saiu uma segunda edição revisada e ampliada. Além de mais mapas, traz o manual de Conduta Consciente em Ambientes Recifais, para turistas e público em geral.
Monitoramento dos Recifes de Coral do Brasil – Situação Atual e Perspectivas, publicado em 2006, consolida a adoção no Brasil do Reef Check – método global de monitoramento de ambientes recifais. Desenvolvido em 1996 com o objetivo de ser o Programa de Monitoramento de Recifes de Coral das Nações Unidas, se baseia na participação comunitária. Faz uso de estimativas de abundância de organismos indicadores e de cálculo de cobertura relativa do substrato através de censo visual subaquático. A coordenação do programa Reef Check no Brasil está a cargo de Beatrice Padovani, do Departamento de Oceanografia da UFPE.
O trabalho de pesquisa e conservação realizado ao longo dos anos em Tamandaré e adjacências levou ao reconhecimento, em 2017, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da área como um sítio PELD (Programa Ecológico de Longa Duração). O Peld Tamandaré Sustentável atua num total de 216.574,06 hectares de paisagem marinha que inclui praias, manguezais, recifes de corais e a plataforma continental (extensão submersa) no Litoral Sul de Pernambuco, inclusive a área fechada de Tamandaré.
Manual de Monitoramento Reef Check Brazil, de 2018, fornece informações detalhadas sobre o protocolo Reef Check Brasil. É destinado ao treinamento de voluntários para atuarem no monitoramento de ambientes recifais brasileiros, além de servir como fonte de consulta tanto para equipes já treinadas como para estudantes e o público em geral.
Nesse um quarto de século, desde que a Fundação Grupo Boticário apoiou a realização do workshop em que foram idealizadas ações de estudo, gestão e conservação dos recifes de coral no Brasil, à medida que avanços significativos ocorreram, novos desafios foram surgindo.
As mudanças climáticas globais passaram a atuar nos oceanos. A acidificação da água do mar e o branqueamento dos corais estão entre os problemas causados pela elevação dos níveis de gases do efeito estufa na atmosfera.
“Ao longo desses 25 anos tivemos muitas conquistas em relação à conservação dos recifes de coral, mas ainda há muito o que ser feito”, afirma Mauro Maida, vice-coordenador do Peld Tamandaré Sustentável, professor do Departamento de Oceanografia da UFPE e um dos organizadores do workshop.
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Texto: Verônica Falcão
Comunicação Peld Tams
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