“A Caatinga é uma das florestas secas mais biodiversas do mundo. Mas além da biodiversidade, a Caatinga como floresta seca é importante, em termos globais, por conta de serviços ecossistêmicos importantes, como sequestro de carbono e regulação climática. Mas o bioma ainda é mais importante para o próprio sertanejo, para o homem do semiárido, já que grande parte da população rural depende de forma muito intensa dos recursos naturais dessa vegetação”. Essa foi uma constatação feita pelo professor e pesquisador, Marcelo Tabarelli (UFPE), atual coordenador do PELD Parque Nacional do Catimbau (PNCA), localizado no estado de Pernambuco e abrange os municípios de Buíque, Ibimirim, Sertânia e Tupanatinga.
Marcado por atrações visuais e históricas, como pinturas rupestres, o parque existe desde agosto de 2002 e conta com um território de aproximadamente 62.300 hectares. Desde então, diversos pesquisadores estiveram envolvidos no estudo ecológico de longa duração que busca examinar como perturbações antrópicas (exploração do bioma para subsistência do homem), e mudanças no regime de precipitação (chuvas) afetam a biota da Caatinga em diferentes níveis de organização biológica. O projeto tem como objetivo, além disso, repensar de forma inteligente e de base sustentável, a utilização desses recursos oferecidos por esse bioma tão importante.
Rodrigo Carmo é pós-doutorando e desenvolve uma proposta vinculada ao PELD que visa entender qual o papel da restauração ecológica na sustentabilidade da Caatinga, frente ao cenário de mudanças climáticas vivenciadas ao longo das últimas décadas. “As mudanças climáticas estão entre os principais distúrbios ambientais promovidas pelo homem. Elas podem ser entendidas, de certo modo, como alterações na dinâmica do clima de uma região, por meio de uma ação humana, nesse sentido, vários ecossistemas tropicais, como é o caso das nossas florestas, estão sujeitos a sofrer de forma mais acentuada os efeitos desse aumento da temperatura e diminuição dos regimes de chuvas, em outras palavras, nossas florestas tendem a sofrer com o efeito da aridez”.
Ele ainda explica o quanto é essencial entender os mecanismos por trás desse aumento da aridez, pois é a partir desse entendimento que se pode compreender a dinâmica das florestas secas e buscar soluções para os efeitos negativos das mudanças climáticas e dos distúrbios provocados pelas pessoas.
Rodrigo lembra que “a Caatinga abriga cerca de 27 milhões de pessoas das quais a maioria vivem em zonas rurais e se utilizam diretamente dos recursos naturais para sua sobrevivência. Por isso, as condições de vida humana dependem, fundamentalmente, do bom funcionamento desse ecossistema”, contudo, as interferências no ecossistema vêm crescendo cada vez mais, e a conversão destes em pastos, configura um dos principais motores para a potencialização dos efeitos das mudanças climáticas.
A partir disso, surge uma das pesquisas na floresta do Catimbau, que visa entender os efeitos da invasão biológica na manutenção e resiliência da Caatinga, ou seja, quando uma área de floresta natural é removida e no lugar é implementado uma área de pasto. Nesse caso, é comum que sejam plantadas graminhas para servir como alimentação para o gado, “foi o que aconteceu há pelo menos 20 anos, em uma das áreas do Catimbau, onde encontramos um gradiente de invasão de uma espécie de graminha, que nos dá uma pista legal do efeito desse estressor na manutenção do ecossistema”.
Os resultados preliminares mostram que o aumento da invasão dessa espécie provoca a diminuição das espécies de plantas nativas e muda completamente a rede de interação entre as plantas e os animais. “Esses distúrbios humanos podem potencializar os efeitos negativos do aumento da aridez na Caatinga, e as consequências naturais disto, estarão, inevitavelmente, associados à manutenção do ecossistema e também ao bem-estar das populações humanas”. Assim, Rodrigo deixa claro que as constatações geradas pela suas pesquisa somadas as contribuições do PELD, são fundamentais para conter os avanços das mudanças climáticas, e ainda, sugere que estes resultados devem ser levados em consideração para a promoção de políticas públicas, que também considerem as demandas vivenciadas pela sociedade civil organizada.
O coordenador do PELD PNCA, Marcelo Tabarelli, alerta que, do ponto de vista ecológico, as mudanças climáticas deverão ter um impacto severo sobre a grande maioria dos ecossistemas, gerando uma reorganização em diferentes níveis ecológicos, desde população, até o nível de ecossistema. Nas florestas secas isso se intensifica considerando a previsão de aumento de aridez:
“É óbvio, ou é razoável esperar que várias espécies não irão se adaptar a essas novas condições, o que deflagra uma cascata, do ponto de vista de organização das comunidades, do funcionamento dos ecossistemas e, obviamente, da capacidade desses ecossistemas prestar serviços ecossistêmicos importantes”.
No entanto, Marcelo menciona outro aspecto que ainda é negligenciado e diz respeito ao fato de que o aumento de aridez está intimamente associado à uma maior frequência de secas severas e imprevisibilidade da precipitação. Isso implica em redução da capacidade produtiva dos sistemas agrícolas e agrossilvopastoris nas florestas secas: “É uma grande quantidade de recursos vindos da floresta que são importantes para a qualidade de vida e para a subsistência dessas populações. O processo de degradação, que deve ser acelerado pelas mudanças climáticas, implicam numa mudança de perspectiva de como usar os recursos naturais dessas regiões, de como é possível alcançar desenvolvimento econômico e social, preservando a vegetação, preservando a floresta, em nome não só da biodiversidade, mas dos serviços ecossistêmicos, que são fundamentais para própria viabilidade das formas produtivas nestas zonas rurais”.
Além disso, a professora e vice-coordenadora do PELD, Inara Leal, compartilhou alguns dos resultados de pesquisas que envolveram dezenas de alunos e pesquisadores ao longo dos últimos anos, comprovando que os efeitos da aridez são ainda piores do que o aumento de perturbações antrópicas crônicas.
“Nós registramos redução, perda do número de espécies, de comunidades de vários grupos de organismos, como plantas herbáceas, plantas lenhosas; invertebrados como formigas, e besouros rola bosta; alguns grupos de vertebrados; vimos reduções de populações de alguns grupos de invertebrados e de plantas; vimos uma substituição de grupos mais especializados por grupos mais generalistas; vimos redução também da diversidade taxonômica funcional e filogenética. Ou seja, a gente não perde só espécie, nós perdemos também história evolutiva e perdemos funções ecossistêmicas”.
Para tanto, a pesquisadora alega que existe uma série de procedimentos que ainda necessitam de avaliação sobre como podem ser implementados em larga escala. Mas enxerga a restauração da vegetação como uma ferramenta que pode promover para as populações humanas, serviços ecossistêmicos, como água, controle climático, mais qualidade de solo para plantar, energia e uma série de outros benefícios que a biodiversidade pode trazer para as populações humanas.
Ação Sensibilização para as Mudanças Climáticas
Coordenadora do PELDCOM: Alessandra Brandão
Texto: Paloma Mahely
Com informações de: Inara Leal – PELD PNCA
Edição: Márcia Dementshuk
Fotos: PELD PNCA
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