Mudanças no padrão de chuvas afetam os peixes de igarapé na Amazônia Central

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28 de agosto de 2023

Com o aumento das chuvas nos últimos anos, os igarapés da Amazônia Central têm mudado um pouco e, com eles, os tipos de peixes que encontramos nesses ambientes.

Texto e ilustração: Gabriel Verçoza

As mudanças climáticas deixaram de ser um problema do futuro e já estão entre as principais ameaças à biodiversidade no presente. Uma das principais consequências da crise climática que observamos é a mudança no padrão de chuvas, com o aumento de secas intensas e tempestades. Entre os ecossistemas amazônicos mais afetados por essas mudanças estão os igarapés, pois sua dinâmica depende diretamente da quantidade de chuva. Um de nossos estudos recentes indica como essas mudanças no padrão de chuvas na Amazônia podem afetar as populações de peixes que vivem nesses ambientes.

Peixes da floresta

Quando falamos em florestas, dificilmente pensamos em peixes. No entanto, os igarapés que cortam as florestas de terra firme (aqueles que não estão em áreas alagáveis) abrigam um conjunto rico e diverso de espécies de peixes, algumas delas de grande beleza. Dezenas de espécies de peixes habitam os diferentes ambientes aquáticos disponíveis nos igarapés, desde as águas abertas dos canais, até os pequenos espaços entre as folhas mortas da floresta que se depositam no fundo. De forma geral, a característica ecológica mais marcante desses organismos é a sua grande dependência da floresta, tanto para obter alimentos, como insetos e plantas que caem na água, quanto para obtenção de abrigo, fornecido pelas folhas, galhos e troncos provenientes da floresta. Isso faz com que as assembleias de peixes sejam especialmente sensíveis às alterações ocorridas tanto dentro dos igarapés quanto na terra ao redor deles.

A pesquisa

Para entender como a comunidade de peixes está reagindo às mudanças nas chuvas, realizamos quatro coletas nos igarapés da Reserva Florestal Adolpho Ducke entre 2001 e 2018, para entender como as espécies e os tipos dos peixes que vivem lá mudam ao longo do tempo. Ao longo desses 18 anos, vimos que a quantidade total de chuvas por ano aumentou, e também a quantidade de dias de tempestade. Ao mesmo tempo que aumentavam estas chuvas mais fortes, o fundo dos igarapés foi perdendo a sua cobertura de folhas e ficando com mais areia exposta.

Trecho de Igarapé na reserva Ducke com o fundo de areia e cobertura de folhas reduzida

A comunidade de peixes foi acompanhando as mudanças do clima e das condições do fundo dos igarapés, mudando também ao longo dos anos. Essas mudanças puderam ser vistas principalmente pela mudança no número de indivíduos de algumas das espécies mais comuns (como as piabas e os acarás). Os tipos de peixes também mudaram ao longo do tempo, com espécies que ficam na coluna d’água (peixes de corpo achatado lateralmente, com nadadeiras menores e boca na frente da cabeça) dando lugar a espécies adaptadas a poças laterais e áreas rasas (corpos “cilíndricos”, nadadeiras maiores e boca voltada para cima). Essas poças são ambientes complexos que disponibilizam novos habitats e fontes de alimento e estão situadas nas laterais dos igarapés.

Com o aumento das chuvas, a quantidade de folhas no canal do igarapé diminui. Com isso vemos uma redução no número de peixes que ocupam esses ambientes e um aumento da população que utiliza as poças laterais.

E o futuro?

Considerando a velocidade das mudanças climáticas observadas neste estudo, e partindo da noção de que os igarapés Amazônicos são ambientes historicamente estáveis (ou seja, mudam pouco e lentamente), esses resultados são surpreendentes e indicam que as comunidade de peixes de igarapé podem responder rapidamente a mudanças no clima.

Chuvas intensas e dias tempestuosos aumentam muito a descarga de sedimentos, o que altera o leito dos igarapés movendo sedimentos do fundo e erodindo as margens. Isso aumenta temporariamente a conexão entre o canal principal e poças laterais temporárias. Isso pode selecionar espécies com características que favorecem o uso de poças rasas, como corpos menores e menos comprimidos lateralmente e nadadeiras maiores. Ainda não entendemos que efeito esse tipo de mudança pode causar nos ecossistemas como um todo.

Nosso estudo não detectou nenhum caso de seca extrema na área. Apesar de já serem problemas graves em outras regiões da Amazônia, eventos de seca ainda não se mostraram um problema nos igarapés do local onde realizamos a pesquisa, possivelmente devido à proteção dos cursos d’água por densas áreas florestadas e a intensa reposição de água pelas nascentes. Isso reforça a importância de conservarmos as áreas ao redor das nascentes e do monitoramento desses ambientes para entendermos os efeitos de curto, médio e longo prazo que as mudanças climáticas podem ter sobre os corpos d’água e os organismos que dependem deles.

Para informações adicionais, leia o artigo: Temporal changes in rainfall affect taxonomic and functional composition of stream fish assemblages in central Amazonia, publicado na revista Freshwater Biology (Biologia de Água Doce) em 2020 por Gabriel Borba, do PELD IAFA, e demais colaboradores (PELD – Impactos Antrópicos na Floresta Amazônica).

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